sábado, 14 de janeiro de 2012

A luz apagou e...


       ...não tinha mais o que fazer, senão dormir mesmo. Larguei o crochê que fazia sentada na cama (já estava de pijama e a televisão ligada em uma bobagem qualquer), coloquei-o onde o marido dormiria caso estivesse ali comigo (viajara para o nordeste uma semana antes) e estiquei o corpo. A chuva aumentara muito desde as nove , nove e trinta da noite. E ainda não eram onze! Mas a chuva não dava trégua, e, agora, sem luz! Fazer o quê? Dormir, né? Aconcheguei-me nos travesseiros e cobertas e relaxei. Larguei-me... por uns quinze minutos, penso. Minha caçula entrou no meu quarto:
      - Mãe! Mãe! Já tá dormindo? Tá escutando? Tá caindo coisa, mãe!!!
     - Quê?! Que coisa que tá caindo? Caindo nada, menina! - resmunguei, afinal estava quase pegando no sono, estava naquele estágio em que já estamos adormecidos, só falta se entregar de vez.
    - Tá sim! Não escutou o barulho?! Mãe, ainda tá caindo! Escuta os estrondos! Olha! - Disse, apontando para o alto com uma das mãos, a que segurava a lanterna.
      - Esqueceu do que a sua irmã já falou, garota? Aqui na serra, quando dá trovoada, parece que é dentro de casa! É um BARULHÃO!!! Tem nada caindo, vai dormir! Reza e dorme!
       Ela saiu, virei para o outro lado, assustei-me vagamente com mais raios e trovões que repercutiam dentro do apartamento. Tornei a ficar groguinha. Dali a, mais ou menos, uma hora, ela voltou:
       - Mãe, já tá dormindo? Acorda, vai! Tá muito barulho! Parece que o mundo tá desabando!
     Mexi-me com dificuldade, abri os olhos e os fechei depressa: o facho da luz da lanterna bateu direto nas retinas!
         - Ai, Dê, dorme querida, não tá caindo nada! É só uma chuva forte com muito raio e trovão! Não se pode fazer nada, aliás, reza! Reza e dorme. 
       Ela deve ter desistido de me chamar. Não lembro de mais nada. Dormi, graças a Deus, dormi. No dia seguinte agradeci muito a Deus e ao meu anjo guardião que me ninou daquele jeito, naquela noite especial.
      Hoje faz um ano e três dias do que contei acima. Sim, eu estava em Nova Friburgo na noite em que o mundo, de muita gente da região serrana do Rio de Janeiro, caiu. E, também hoje, li na internet a matéria que transcrevo abaixo (um trecho):

 

Esperança sobre a vida

      Na praça do Suspiro, ponto turístico mais conhecido de Nova Friburgo (RJ), na serra fluminense, as obras de recuperação ante os estragos da chuva de um ano atrás ainda não foram concluídas e deixam comerciantes e moradores com um sentimento que mescla revolta e desolação. 

       Mas é em meio a tapumes de construção, a paralelepípedos que ainda não foram utilizados nas ruas destruídas do entorno da praça e ao morro onde são vistas as marcas das terras e pedras que desabaram, que um personagem chama a atenção: de chapéu e com um jeito simples e cheio de reverência, o produtor rural Hermínio Botelho, 77, mostra --em folhas de sulfite que ele faz questão de carregar de um lugar a outro-- os versos que criou a partir da tragédia.                                                                      

         Janaína Garcia  UOl


No ano 2011 no
dia 12 de janeiro
Duas horas mais ó menos
Um grande estrondo deu
Muita chuva que caía
Muitas barreiras que desceu

Aqui na região serrana
Triste fato aconteceu
Muitas casa soterrada
E muita gente morreu
E muito sairão vivo
Por um mistério de Deus

E muitos perderam tudo
Sem saber onde ficar
E aqueles que morreram
Com Deus espero que está
Mas nós que ficamos vivo
Devemos se a prepará

Ó senhor meu pai interno
Mim perdoa meu senhor
O senhor sabe o que fez
Nós que não damo valor
Pensado que sabe tudo
Não sei nada meu senhor
Hemídio Botelho, em 30/04/2011


      E cá estou, relembrando aquela noite que, antes que fosse embora, não percebi a extensão e antes que, entre um cinza esquisito, o dia surgisse. O dia doze de janeiro de dois mil e onze chegou com dor para todos os que ali estavam, mesmo os que não tinham sofrido perdas com a tragédia: não tinha como não doer vendo as feridas do próximo e as feridas da terra. 
     São muitas as lembranças daquele dia sem luz, sem telefone, sem transporte, sem notícias. Um dia cinzento, vazio, cheio apenas de rostos tristes e assustados que passavam pelas ruas desertas de carros. São muitas as lembranças dos dias que se sucederam, com as notícias surgindo: amigos que morreram, que perderam casa ou parentes, que estavam desaparecidos, bairros devastados, falta de medicamentos, alimentos, água potável. 
       São muitas as lembranças da descida da serra, quatro dias depois, com filhas e netos e o coração repleto de uma dor imensa e uma alegria infinita, que parece loucura sentir: dor pelo que ficara soterrado lá em cima e felicidade porque o meu bem maior, minha família, estava ali, agasalhada comigo.



        Cléa Siqueira













20 comentários:

  1. Confesso que não gosto muito de lembrar desses momentos. Foram aflitivos, cheios de medo e pavor. Depois de tentar acordá-la - sem sucesso, mas no final: Ufa!Que bom que você não acordou - Tive que aguentar meu coração batendo forte dentro do peito, até dormir no susto. Quando lembro ou sou lembrada dessa tragédia que vivemos tão de perto (e que graças a Deus saímos ilesas) rezo apenas para aqueles que não tiveram a mesta sorte (ou será destino?) que nós. E penso também admirada na força daqueles que perderam tudo - bens e família, e na generosidade e compaixão que tantas pessoas, mesmo em cidades e estados distantes demonstraram para com seus semelhantes. Essa é a prova viva de que a humanidade ainda é composta em sua maioria, por pessoas de bem e de bom coração!
    Deixo aqui a minha homenagem aqueles que perderam tudo e estão de pé, em franca caminhada, acreditando de cabeça erguida que o amanhã trará coisas melhores.

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  2. Esta é a minha filha!!! rsssssss
    Bjssss, meu amor!

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  3. Olá Cléa,realmente é muito triste essa tragédia que se abateu na cidade que considero a mais maravilhosa do nosso Brasil. E quantos familiares ainda sofrem, e choram suas perdas, e ainda com o coração cheio de esperanças por dias melhores e fé em Deus. Linda homenagem sua e de sua filha. Cléa querida, quanto a massa de quiche, ainda crua e sem abrir, faz uma bolinha envolva em um saco plástico e deixe por alguns minutos. Depois de aberta, que vc coloca o recheio e leva para assar, assim que retirar do forno, espere esfriar completamente, embale em saco plástico ou esses próprios para congelamento e congele. Espero ter ajudado mas qualquer coisa pode perguntar ok? Quanto ao blogroll as vezes me dá problemas também, é normal, eu que agradeço sua visita carinhosa. um ótimo final de semana prá vc e os seus...bjos

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  4. Aí, Josy,
    é bem mais tranqüilo quando conversamos com quem entende do riscado! rssssss
    Vou fazer a quiche, vou congelar e depois te falo dos elogios que, tenho certeza, receberei!
    Bjssssss, quérida!

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  5. O país inteiro parou pra se juntar à dor das famílias que perderam tudo, inclusive seus entes queridos naqueles fatídicos dias de janeiro em 2011, que Deus possa guardar as pessoas que passaram por tudo isso e saíram ilesos, tendo apenas na lembrança o horror que viveram, e que possa confortar e fornecer esperança para os outros, que eles possam finalmente ter força e coragem pra reconstruir suas vidas.

    meu abraço,
    boa noite

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  6. É verdade, Renata querida, esta foi a parte bonita da história, a outra face da moeda: a imensa união de todo o país, de todas as boas almas que aqui habitam.
    Obrigada, boa noite e
    bjsssssssssssssss, quérida!

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  7. Oi Clea, td bem? Vi seu recadinho no meu blog. Muito obrigada por ser minha seguidora e gostar do meu trabalho. Vim te fazer uma visita e me deparei com esse post. É triste demais!!! Vc estava lá e por coincidência eu tb estive no final de semana antes da tragédia. Inclusive fiz um post no meu blog, na época. Depois dá uma olhadinha! É só vc entrar nos Marcadores, subtítulo Férias, coluna no lado direito do blog.
    Ah!! Quanto a ensinar...quem me dera!! Já até pensei nisso, mas envolve mto tempo para produzir e eu precisaria de uma pessoa pra me ajudar nas fotos e mais, e mais...quem sabe mais pra frente eu consiga, né??
    Mas se precisar de alguma dica é só perguntar, ok?
    Bjs!!!!

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    1. Que coincidência mesmo, Solange! Claro que vou ler a postagem, já, já.
      Na verdade, fiz bijuteria por muito tempo (e há muito tempo atrás), inclusive comprei parte do meu enxoval (do primeiro casamento) com o dinheirinho dessas vendas. Macramê era o forte! Mas era em palha da costa, coisa de hiponga lá nos idos da década de setenta, imagina!
      Quando vi essas pulseirinhas mais chiques, deu um banzo! E vontade de fazer.
      Bjsssssssssssss, quérida!

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  8. SÃO MOMENTOS TRISTES QUE MUITAS VEZES TEMOS QUE CONVIVER ,MINHA MAIOR TRISTEZA É SABER QUE TUDO CONTINUA COMO NO ANO PASSADO POIS O PREFEITO DIZEM NÃO FEZ NADA DURANTE O ANO PARA MELHORAR A VIDA DOS QUE PERDERAM TUDO!!
    FICO MUITO FELIZ QUANDO TE VEJO NO MEU BLOG!
    OBRIGADA PELA AMIZADE DEUS TE ABENÇOE VC É MUITO ESPECIAL!
    BEIJO

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  9. Puxa, Eliana, que coisas bonitas sobre mim, obrigada, muito obrigada!
    De fato, ninguém fez nada, mesmo ali no centro da cidade, onde os prédios caíram e aqueles bombeiros morreram soterrados (mas tb salvaram aquele bebê que o pai protegeu com o corpo e dava saliva para que o filho resistisse): tudo é um monte de escombros que, apenas, foi afastado, parcialmente, para o canto de modo a dar alguma passagem a algum veículo. Mais nada! Infelizmente. Vamos ver agora, que a imprensa está espremendo novamente.
    Deus também a abençoa e, mais uma vez, obrigada pelo carinho e gentileza,
    bjssssssssssssssssssss, quérida!

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  10. Olá Cléa!
    E como doeu ver tanta gente sofrendo.
    Ainda bem que moramos num país onde as pessoas são solidárias.
    A ajuda chegou de todos os cantos.
    Mas existem sofrimentos que não tem como a gente amenizar...
    Aqueles que perderam familiares e amigos,sofrerão de saudade pra sempre.
    Quando chega a temporada das chuvas,fico até preocupada :(
    Bjs!Bom domingo!

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    1. Oi, querida,
      é isto mesmo: saudade é para sempre!
      Bjssssssssssssssss

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  11. Oi Cléa, é a Vi, infelizmente a historia esta sempre se repetindo em época de chuva.
    E ler sua historia nós traz a tristeza de observamos nossa impotência diante de tudo e a negligencia daqueles que deveriam estar fazendo algo para evitar tais desgraças.
    Mas os sobreviventes dessa tragedia tem uma missão, não permitir que tudo caia no esquecimento.
    Muitos beijos,Vi

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    1. É verdade, Vi querida,
      é verdade: temos que forçar a lembrança e reforçar a cobrança em cima de quem deveria estar atuando e está se omitindo.
      Ainda é muito difícil, para mim, falar daqueles dias, e não perdi nada de material nem meus entes queridos, imagina então quem perdeu? Forcei-me a escrever sobre e peguei leve, nem cheguei a falar da fuga, quase em massa, da população desesperada por conta de um boato que uma represa havia estourado! Parecia filme! Minha pressão sobe só de lembrar do desespero que vi e do meu caminhar em busca da minha filha mais velha e dos meus netos. Duro. Não a eminência da morte, mas a possibilidade de não encontrar a quem amamos e consolá-los e consolar-nos...
      Bjssssssss, quérida

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  12. Só quem viveu de perto a tragédia, como vc, é capaz de relatar com tanta limpidez os fatos e os sentimentos de todos naquele dia fatal.
    Tristeza e alegria se mesclam sim, no que de humanos somos, Cléa, ante o sofrimento dos semelhantes e o alívio pelos bem-estar de nossos queridos(as).
    Comovente teu relato.Comovente poesia.Lamentável poder público.
    Bjkas,
    Calu

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    1. Mais uma vez, querida Calu, muito obrigada pelas palavras tão empáticas e gentis.
      Poder público, isto mesmo, lamentável! Onde está?
      Bjsssssssssssssss, quérida!

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  13. Querida Cléa boa noite!
    Grata em ter você meu bloguito,obrigada pelas doces palavras.
    Quanto ao que postou também fico muito triste em saber que entra ano,sai ano nada muda o que tenho em mente neste momento é o que a palavra de Deus (Biblia) nos diz: Maldito homem que confia em outro homem.
    È tudo triste e calamitoso mas verdade.
    Eles não fazem nada e nem há de fazer.
    Beijoss Pri

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    1. Obrigada, Pri,
      pela presença no Brechique e pelas palavras de solidariedade e compaixão pelos que sofrem com o abandono dos governantes.
      Mas ainda creio que é possível, que alguém ou muitos se envolvam e resolvam, pois da mesma forma que existem os maus, existem os bons. Daí que não podemos dar força ao desânimo. Confiar é preciso, como dentro de nossa família (que família toda a humanidade é, né não?).
      Bjsssssssssssssss, quérida!

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    2. Cléa você está correta apesar dos pesares temos que ter fé e seguir em frente,as vezes parece que tudo está perdido e não a motivos para acreditar que vale a pena confiar no ser humano mas o importante é que todos os dias(exceto quando está chovendo,rsrs) o sol da um espetáculo para todos e ninguém vê pois estão todos a dormir, entende!
      Seu blog é ótimo vou ficar por aqui para não perder as novidades.
      Beijoss

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    3. Oi, Pri, obrigada!
      E fica sim, fica por aqui que eu gosto! Enquanto isto eu fico por lá, no Tempos difíceis!
      Bjssssssssssssss, quérida!

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Muito obrigada por participar do meu blog com o seu comentário.
Bjssssssssssssssssssssssss