quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

"Não quer trabalhar mais?"




       Hoje estive com minha irmã caçula à tarde. Conversamos, tomamos café com brioche (não, não fui eu quem fez o brioche: comprei no supermercado), contou-me de sua viagem ao Pantanal, falamos de nossas impressões e idéias sobre a vida (coisa de cinqüentonas).
      E aí, conversa vai, conversa vem, surgiu o papo da tal da aposentadoria. Ela ainda precisa (se contamos certo) de, mais ou menos, quatro anos para aposentar-se no serviço público. Mas disse que não está querendo parar ainda, que quer continuar trabalhando, que gosta do que faz. Rebati correndo:
      - Ah, quando a gente tá gostando do que faz não pensa em parar mesmo, claro!
Então... ela fez a clássica pergunta, a tal que escuto há pelo menos três anos, desde que me aposentei, enfim:
      - Você não quer trabalhar mais?
      Fiz correndo um não com a cabeça enquanto a boca articulava um "De jeito nenhum! Com as coisas que vi, que vejo? Nem pensar!"
      - Mas, digo assim, vontade de trabalhar com outra coisa, sem ser dar aulas...
      Interrompi correndo:
      - Quê isso?! Eu gostava era de sala de aula, não tem o que mais me agrade!
      - Ah, mas podia ser que tivesse outra coisa...
      - Outra coisa? Outra coisa é o que tenho que fazer e quero fazer e não dou conta: musicar, escrever, ler, costurar, bordar, pintar, crochetar. Não tenho empregada para fazer minha comida, cuidar da minha roupa e casa e assim sobrar um tempo extra! Se bem que gosto de cuidar das minhas coisinhas e até para cuidar destas coisitas fica faltando um tempinho! Tenho que sacrificar o prazer de um em detrimento de outro prazer!
     Falei num galope só (ando muito assim, às vezes: falo num jato!) e observei-a me olhando com o pensamento franzindo-lhe a testa. E, uma vez que já estava de pé e pegara a bolsa para sair (a história da aposentadoria fora o último tema abordado, quando levantara para despedir-se), mudou de assunto e pediu-me que abrisse a porta.
     Após levá-la ao portão e vê-la sair no carro, subi as escadas pensando, pensando, pensando... "não quer trabalhar mais?" martelava no meu cerebrozinho já não tão rápido (ou mais sábio?). E os trinta e cinco anos de magistério efetivo no serviço público e o tempo da escolinha nos fundos de casa desde os doze anos? Ainda não bastaram? E esta atividade doméstica diária, sem folgas, sem férias, sem licenças, sem feriados ou fins-de-semana? Este cuidar do lar e de tudo o que implica este cuidado? E o sentar na máquina e costurar colcha, lençol ou pano de prato? E a leitura informativa que servirá de opinião ou conselho para o marido, as filhas, os netos, os amigos? E a tecelagem do cachecol ou casaco que aquecerá os corpos queridos , ou o seu próprio, num dia mais friozinho? E a ida ao banco, à farmácia, ao supermercado? Nada disto é mais trabalho? Nada disto dá trabalho? Mesmo que dê prazer a quem os executa, mesmo que não seja penoso, e porque não é, não é trabalho?
      É trabalho sim, e muito!!! E eu sempre trabalhei e ainda trabalho. Desde criança quando a minha mãe me ensinou a tirar o pó dos móveis para ajudá-la nas tarefas do lar, a prender botões para não andar despencada, a passar roupas para não andar amarrotada e todas estas coisas que nós, cinqüentonas, aprendemos (a não ser, é claro, as mais afortunadas financeiramente, que tinham empregadas e babás).
    Eu trabalho. Faço por prazer (claro que, às vezes, não tô a fim, como todo mundo) e fico muito orgulhosa ao ver o que dei conta de aprontar. Ah, quer saber? "Eu me amo, eu me adoro, eu não consigo viver sem mim"!


Cléa Siqueira

13 comentários:

  1. Querida, esse assunto daria muito pano para a conversa com a "Gostosura", ela pensava exatamente como vc, e sempre ficava muito brava, quando diziam que ela não trabalhava...É sempre grande o prazer de ler coisas que fazem-me lembrar de Mamãe.
    Feliz 2012.
    Obrigado por tudo e estaremos sempre lembrando dela.
    Obrigado por me ajudar nessa tarefa.

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  2. Querida Cucla,
    sinto-me honrada que vc tenha se lembrado da sua mamãe lendo o meu texto, obrigada!
    Ao contrário do que muitos dizem e acreditam, penso que é a semelhança que atrai e une as pessoas (embora, numa olhada ligeira, pareça que são antagônicas). Daí que, qdo descobri a Gostosura, foi esta coisa mesmo de identificação em muuitas coisas!
    Lamento, apenas, não ter tido tempo de trocar figurinha nenhuma com ela, pois, qdo as conheci ( maio/2011), começava o seu calvário. Rezei, torci, entreguei para Deus que é o maior e de tudo sabe.
    Eu é que lhe agradeço a generosidade em nos acolher (as amigas da Gostosura) e cuidar de nós de forma tão delicada.
    Bjsssssssssssss, menina!

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  3. Como sempre: SOBERBO! Já falei que amo o que você escreve, né Xuxo?!? Não sou nenhuma crítica literária mas essa qualidade que você tem de traduzir em palavras e contar - tão detalhadamente - os fatos cotidianos, é simplesmente fantástica. Adorei o texto... Realmente nos remete a tantos pensamentos.... Beijos!!!

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  4. Boa tarde Cléa!
    Adorei seu texto.
    Mesmo depois de lecionar tanto tempo,você continua sendo 'Doutora em desenvolvimento e relações humanas',e essa tarefa,também exige dedicação exclusiva.
    (Te mandei um email hoje contando sobre essa história...)
    Bjs!

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  5. Clau, querida,
    vc é mesmo delicadíssima e de uma sensibilidade extraordinária!
    O e-mail é perfeito! Já até o encaminhei para as Doutoras! E tb lhe respondi!
    Bjssssssssssssssss, quérida!

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  6. Minha querida ANÔNIMO,
    assim não vale! Até fico besta desse jeito, né não?
    Mas ainda tem que melhorar muuiitooo essa escrevinhação!
    Bjsssssssssssss xucrute, amo vc!

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  7. Cléa,
    se não fosse plágio, eu lhe pediria para assinar esse teu texto. Menina, já vi e vejo este filme há mais ou menos 4 anos.Temos trajetórias parecidíssimas, inclusive a profissão.
    Não sei porque as pessoas acham que trabalho é só o oficial???Continuamos professoras/educadoras,mães, avós, esposas, donas-de-casa, cozinheiras,economistas, artesãs, leitoras... porém com um foco mais amplo nas atividades que mais nos apaixonam; somos filhas de Deus, oras!!!!
    Então dê cá o braço que sairemos cantando pela estrada afora: Eu me amo, eu me amo(rsrsrsrs)!!!

    Obrigada por tuas gentis visitas lá no meu cantinho.
    Bjkas,
    Calu

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  8. Ora, Calu!
    Eu é que tenho que agradecer-lhe as palavras delicadas e tão simpáticas!
    Menina, que bom que temos tantas semelhanças, né não? E, claro, dou-lhe meu braço e vamos estrada a fora, que o mundo é tb para nós que ousamos assumir o nosso jeito, o nosso modo, o nosso estilo!
    Bjsssssssssssss, quérida!

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  9. Nháááááááá, escreve mais que eu adorooooooooooooo!
    Também te amo Mamacita!
    Bjossss

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  10. Adorei o texto...morri de rir com as "coisas de cinquentona"...
    Querida amiga, estou passando por aqui pra te desejar um feliz 2012, repleto de amor, saúde, paz e muitos posts deliciosos de ler, como este!
    Beijo,
    Marcela.

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  11. Ah, Marcelita, obrigada!
    Cinquentona tem essas coisas de cinquentona mesmo, assim como as trintonas e quarentonas. Só mudam as de sessenta: porque viram sexsentonas! rssssssssss
    Aí, elas falam de sexo que só! Ou seja, só falam! rssssssss Brincadeira! Não leve a mal, gosto de brincar mesmo (mas olha que, daqui a dois anos e um pouquinho, começo a falar de sexo à toa! rssss)
    Para vc tb, um ano de muita paz, saúde e deliciosos quitutes!
    Bjsssssssssssssss, quérida!

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  12. Concordo com tudo o que vc disse Cléa, também não trabalho e confesso que não foi por opção não. É que infelizmente quando vc atinge seus 50 e poucos anos não se tem mais valor no Brasil. Infelizmente é a realidade, fui bancária quase metade da minha vida, trabalhei em escritórios e atualmente sou dona de casa, pois não consigo um emprego. É uma pena que tem muitas pessoas que nos criticam por ser donas de casa e não se conformam por não termos um emprego, como se fosse uma escolha nossa. Essas pessoas nem sempre tem maturidade suficiente pra fazer esse tipo de julgamento. E olha que serviço de casa é o que não falta né? Fora o restante que vc mencionou, idas ao supermecado, à feira, aos bancos, tudo isso é trabalho e graças a Deus temos saúde prá isso e cuidar da casa, e se pensar bem, 24 horas é pouco hehe. Bjos

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  13. Poi é, Josy, este é o problema: tem gente que quer gerenciar a nossa vida! Essas pessoas julgam que têm a solução para os nossos problemas como quem sacode uma varinha mágica. Costumo dizer que sofrem da síndrome de Deus! É, sabem de tudo e, portanto, suas opiniões são as divinamente corretas, daí que se julgam no direito (e até na obrigação) de nos dizer o que DEVEMOS FAZER. E ai de nós se não concordarmos! Recebemos cada olhada (na melhor das hipóteses!).
    Se mais niguém quiser fazer o que fazemos não é o cáos????
    Bjsssssssss, quérida!

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Bjssssssssssssssssssssssss