segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O gosto da minha infância


       

       É o de PÃO SOPAPO! 
      Ahá, por essa vocês não esperavam não é? Mas é verdade, e não é só o gosto que era tão importante não: primeiro tinha o cheiro (da esponja fermentando), depois o aroma (dos pães assando) e, só então, o gosto, o melhor gosto do mundo naquela época de tantos gostos bons! Mas o nome, eu sei, é meio brutal: PÃO SOPAPO, mas foi assim que a minha mãe chamou aquele pão que a vizinha (do terreno aos fundos do nosso quintal) ensinou para ela. E mamãe, cá entre nós, era jeitosa que só para as artes culinárias! Para a costura também, além de arranhar no tricô e no bordado.
      D. Dagmar trabalhava de doméstica lá na zona sul do Rio (área nobre), mas não sei se era cozinheira, copeira, arrumadeira, essas eiras que existem nas profissões femininas. Uma mulher alta, corpo forte, risonha de um riso que faltava a metade dos dentes (e que lhe fazia encolher o pescoço, arriando o rosto de um jeito tímido - talvez por vergonha de não ter os dentes como o esperado), meiga de doer : feliz! Isto mesmo, se felicidade tinha rosto, naquela época, era o de D. Dagmar. Não parecia dar importância para as dificuldades de sua vida sacrificada, parecia nem se dar conta, contava as vicissitudes fazendo graça, se divertindo. Inesquecível essa mulher...
      Bem, mas essa mulher maravilhosa é a responsável por um dos muitos bons sabores da minha infância. Ah, mas por que pão SOPAPO? É que, na hora de sovar a massa, mamãe dizia que estava dando uns SOPAPOS no pão! E nós, crianças, sabem como é, achávamos uma graça danada daquela coisa de sopapar o pão! E o tal do PÃO SOPAPO virou  marca registrada lá de casa: quase todo fim de semana ele surgia colossal na mesa do lanche! Quem chegava e experimentava ficava fã incondicional! E era um tal de copiar a receita, explicar, ensinar, que não era mole não! Cá entre nós, depois que o povo tentava fazer igual, vinha com uma conversa mole de que não dera certo (será que era para não dar uma provinha pra gente? rssssssss). 
       Não sei. Só sei que nunca comi o pão SOPAPO feito por ninguém que não fosse a minha mãe. Ela foi fazendo o dito, fazendo, ensinando, fazendo, ensinando... até que também aprendi e nos revezávamos, aos domingos, na confecção da maravilha: era quase uma disputa! Cada uma queria mostrar para a outra que sovara melhor e sua massa, conseqüentemente, ficara mais fina, leve, saborosa. Então inventei de polvilhar açúcar em alguns que fazia e ela dizia "podia ter ficado mais leve, o açúcar pesou a massa". Eu ria, porque mesmo ficando com a cara mais feia e "mais pesado", o polvilhado com açúcar acabava primeiro! E ela também ria. Ríamos juntas, naquelas tardes de domingo que cheiravam a pão e amor, o maior amor, que era o amor daquela mulher por sua família.
      A primeira vez que fiz PÃO SOPAPO, sem ela, foi quase um ano depois de sua partida, há doze anos atrás. Fiz metade da receita. Ficaram lindos e cheirosos. Coloquei-os sobre a mesa arrumada para o lanche da tarde. Servi-me de café, cortei um pedaço do pão e levei-o à boca. Mordi. E chorei de saudade.

     
      Cléa Siqueira


17 comentários:

  1. Oi Cléa!
    Esse 'Pão Sopapo',pelo jeito era um sucesso hein!
    Fico imaginando aquele cheirinho de pão caseiro...
    Bom demais!
    (Postagem emocionante pra mim,pois minha avó sempre fazia pão,quando eu pedia).E eu pedia SEMPRE!rsrs
    Lembrei dela,com uma saudade imensa.
    Bjs!
    Ótima semana!

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    1. Querida,
      suas palavras sempre delicadas!
      O pão era um sucesso mesmo! E, tanto quanto vc ao ler, me emocionei escrevendo. E foi como escrevi: doído comer o pão naquele dia! Bjssssssssssss, quérida!

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  2. Pão caseiro, amassado aos sopapos, fica mais saboroso, pois foi fermentado com amor e risos.Por isso a cada mordida deixa um gosto de saudade na boca.
    Fiquei com vontade de provar esse pão-do-amor__ sopapado(rsrsrsrs).
    Bjkas,
    Calu

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    1. Oi, minha linda,
      Faz tempo que não o faço, mas vou refazê-lo e convidá-la para saborear. Não tenho aquele lindo jardim nem uma bela vista para o repasto, mas dá-se um jeito. Podemos tb nos encontrar no "Saara" e entrego-lhe a encomenda para que usufruas em casa, que tal?
      Bjssssssssssssss, quérida!

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  3. Querida Cléa, esse seu texto me emocionou por demais, lembrou-me das deliciosas tardes de domingo que recebíamos a familia toda, tio, tia, primos, sobrinhos, papagaio, periquito, o totó, vinham todos saborear o pão de mamãe que fazia com maestria, era muito gostoso, e eu ajudava a dar os sopapos na massa, e ai de mim se não ajudasse, quem levava sopapos era eu.Deliciosas lembranças que o aroma dos pães que fazemos agora nos faz recordar dos tempos de outrora, Ai como era bom! Adorei seu texto. Querida quero agradecer as palavras carinhosas que vc deixou lá no meu cantinho, fico muito feliz por tê-la como amiga, obrigada pelo carinho...bjos ótima semana

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    1. Linda Josy,
      quando eu era pequena (continuo sendo, tenho apenas 1,53m! rssss), sonhava que o meu pai, que era barbeiro, de repente se tornasse dono de padaria! Veja só, ainda hoje quando passo em frente a alguma tenho que controlar-me, se não entro e compro alguma novidade!
      É, pelo visto minha visita à infância nos trouxe nostalgias...
      Bjssssssssss, quérida e não agradeça as palavras porque vc as merece todinhas!

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  4. Mas menina do ceú voltei por que esqueci do mais importante. Amei a linda música de Frajat, desculpe Cléa, me empolguei com o pão e esqueci, aquela música é tudo, e fala lindamente do recomeço, até isso antigamente era melhor né, por que as músicas de hoje sem comentários hehe. Obrigada. Amei..beijinhos

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    1. Como já disse: vc merece! E esta música é muito significativa para mim.
      Bjssssssssssssss, quérida!

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  5. Que lindo! Que fome! E que saudades que dá de algumas coisas de nossa infância né?
    Parabéns pelo post.
    Bjs
    Maristela

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    1. Obrigada, Maristela,
      pela visita e pelas palavras gentis!
      Satisfaça a minha curiosidade: vc é a Maristela Ursulino?
      Bjssssssssssssss, quérida!

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  6. Saudades em forma de pão, poderia ser em forma de música, perfume,lugares, mas veio em forma do alimento mais antigo da humanidade, que alimenta o corpo e a alma, e agora fiquei com agua na boca para sentir o sabor desse pão que te trouxe saudades.
    Bjos.
    Silvia,

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    1. Antes de mais nada, Sílvia, obrigada pela visita.
      E quanto à saudade, ela não veio (ou vem) em forma de pão, na verdade eu estava entupida dela! Tanto que demorei quase um ano para conseguir fazer os pães e, confesso, foi um desafio que me impus naquela época.
      Posso passar-lhe a receita com o maior prazer. Posso fazer isto numa nova postagem (embora o meu blog não seja de culinária- porque tb não sou "a cozinheira" e nem cozinho tanto assim, arranho)ou através de e-mail,o que vc acha?
      Bjsssssssssssssss e, mais uma vez, obrigada pela visita e tb pelo belo comentário.

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  7. Cléa minha frô, tem um desafio pra vc lá no meu blog, facinho facinho, sinta-se a vontade de aceitar ou não ta?? Beijinhos. Tenha um lindo dia

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    1. Oi, minha bela, tô indo, tô indo, lindo dia procê tb!
      bjsssssssss

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  8. O Cleo, é a Vi, também temos inúmeras coisas que nossa mãe fazia muito bem.
    Uma delas eram os pasteis,abria a massa no cilindro e o recheio de carne maravilhoso, comíamos de esbaldar.
    Lembranças que moram no coração para sempre.
    Muitos beijos,Vi
    Virginia/otachodapepa.com

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    1. Vi, que coincidência: mamãe tb tinha um cilindro de abrir massa de pastéis! Mas usava muito pouco, pois achava uma trabalheira tirar aquele peso do armário, limpar, montar, usar, depois tornar a desmontar, limpar e guardar! Aí pegava o rolo mesmo (ou uma garrafa de cerveja, vazia, claro!)!
      Bjsssssssssssssssssss, quérida!

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  9. Ah as tardes de domingo ...
    Eu nunca gostei do domingo e não sei explicar o porque, mas olhando para trás até que elas eram bem legais... tinha sempre muita prosa, um pouquinho de óssio (hoje sei que ele é benéfico!) e muita brincadeira.Nesse dia raramente eu estava sozinha.Meus primos e depois minha irmã estavam sempre comigo.

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Bjssssssssssssssssssssssss