sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

CORAGEM

       Havia um homem, em algum tempo, que construía a vida com tudo o que lhe tinham ensinado a ambicionar de bom e, por conta desta construção, seus dias eram pequenos demais para conter as tarefas que se propusera e que esperavam que desempenhasse. Por causa disto sentia-se importante e satisfeito.
       Como o lugar em que estava, e sempre estivera, era quase que totalmente circundado pelo mar, existiam momentos – nos raríssimos intervalos de ócio que lhe ocorria – em que uma nesga de melancolia abria-se em seu peito quando olhava o movimento das águas que pareciam chamá-lo. Era um chamamento inexplicável, ligeiro, assustador como um relâmpago inesperado. Por não entendê-lo, espantava-o com um balanço de não da cabeça. Afinal, era apenas uma sensação sem importância. Vaga. Espaçada. Nem questionada. E, por não entendê-la, incomodou-se quando passou a tê-la, mais freqüentemente, após um sonho onde se encontrara num lugar jamais suposto – já que só conhecia aquele em que nascera e sempre estivera.
       Passou dias sendo interrompido pela lembrança do sonho no meio de suas infindáveis tarefas, sem conseguir afastá-la. Por mais que movesse a cabeça em inúmeros nãos. Às vezes queria e forçava-se a relembrar detalhes do que visitara oniricamente, mas, do sonho, ficara somente a tal sensação que também lhe era trazida pelo movimento do mar. E um suspiro de saudade que não conseguia conter.
       Até que, num dos momentos em que pensava no sonho, permitiu-se entorpecer suavemente embalado pelo marulhar das ondas próximas de sua janela. Desta vez, entregou-se de fato à sensação do chamamento inexplicável. Como um amante faminto à paixão inevitável. Sentiu-se sair de si. Planou. Flutuou sobre as águas que sempre o chamavam. Deitou-se sobre elas que o receberam envolventes. Umedeceu-se com seus respingos inquietos. Deixou-se lavar pelas línguas delicadas das espumas salgadas. Viu os olhos profundos das águas chegarem tão próximos de sua alma que se sentiu inteiramente nu. Recebeu o toque lúdico das águas em sua pele morna que se inflamou com uma sensibilidade quase angustiante. Beijou a boca febril das águas experimentando um sabor de saliva inesquecível. Sentiu-se cobrir por inteiro de algo que desconhecia.
      Inebriou-se. Deliciou-se. Cresceu. Inchou. Estremeceu. Aguou. Amoleceu. Perdeu a noção do seu começo e do seu fim no misturar das águas. Assustou-se. Inundou-se de medo. Apavorou-se.
       E, como um facho de luz retirado abruptamente de um espaço, voltou. Sem saber onde estivera. Sem descobrir quem o chamava. Temeu. Amedrontou-se. Preferiu o caminho de volta, para o que sempre conhecera. Melhor a melancolia. Melhor a sensação do chamamento inexplicável. Melhor, apenas, o suspiro de saudade.

Cléa Siqueira

3 comentários:

  1. Olá Dodoca!
    Que texto gostoso de ler.
    Gostei muito :)
    Li e reli!
    Bjs!

    ResponderExcluir
  2. Obrigada, Clau, vc sempre gentil!
    Este texto foi escrito há uns oito ou sete anos (penso eu), estava perdido aqui, numa pasta. Achei e postei procês.
    Bjsssssssssssssssss, quérida!

    ResponderExcluir

Muito obrigada por participar do meu blog com o seu comentário.
Bjssssssssssssssssssssssss