segunda-feira, 7 de maio de 2012

"...volto a ti e me sinto criança..."

  
       Saudade de mãe que já partiu é saudade pra vida inteira. Não importa a idade que tenhamos: nos sentimos órfãos! Falei disso para uma sobrinha um outro dia e ela se espantou: arregalou os jovens olhos de vinte e um anos e soltou um "quê isso, tia?", ao qual eu respondi veemente "é isso mesmo, órfãos!". Sei que é como nos sentimos porque foi o que aconteceu comigo quando enterrei a minha mãe há doze anos atrás.
        Era o fim de uma linda tarde de abril.  De braço dado com meu pai, ficamos de frente para os pés do caixão que descia e se acomodava por dentro daquela terra marrom e ligeiramente úmida: "és terra", pensei, "e à terra voltas!". Ironia do destino que minha mãe fosse enterrada ali, em uma cova rasa: tínhamos um jazigo! Mas ela era da terra, nascida no interior, criada na roça, correndo descalça pelos campos, cuidando de galinhas, tirando leite de vaca, comendo fruto do pé. E, mais tarde, já na cidade grande, não abrira mão da terra dos quintais das casas que morou. Nessas terras urbanas, criou lindos jardins selvagens, liricos e indomáveis como a sua personalidade. Mamãe era a própria terra, nada mais coerente que a ela se misturasse na partida.
       Lembro-me de que levantei os olhos e, mergulhando-os naquele azul tão sereno acima de nós, perguntei-me: não tenho mais a minha mãe? Não, não tinha mais a minha mãe. Não a teria nunca mais. Foi uma sensação muito estranha. Neste momento, pareceu-me ter saído daquela cena que vivia para tornar-me espectadora de tudo. Como se assistisse a um filme bem de pertinho, na verdade, do lado de dentro dele. Estranho de entender? Pode ser mas, daquele instante até por mais uns dias depois, foi assim que aconteceu comigo: tornei-me espectadora. Tempos mais tarde, recordando esse fato, concluí que, sair da cena, foi uma espécie de mecanismo de defesa: doía tanto viver a verdade que era melhor somente assisti-la!
       Aprender a viver sem mamãe foi reaprender a vida ou a olhar a vida com outros olhos. O que me salvou foi esse mecanismo de defesa abençoado que me retirava da cena toda vez que a dor esmagava. Porque dor de ausência esmaga que só! É ausência, é falta, é, às vezes, até inexistir! Falta o eixo, falta o prumo, falta o norte!  E, ao doer tanto, você pede socorro, pede clemência, pede arrego mesmo, ainda que inconscientemente. Aconteceu comigo! Já estava pesado demais sentir aquela dor daquele jeito. Daí, que comecei a "conversar" com ela, com a minha mãe. Parece loucura? Talvez seja. Mas foi meu jeito de pedir ajuda e funcionou e funciona. Converso. Não escuto resposta não, hem? Mas converso. Ofereço as belezas do dia para alegrá-la, peço conselhos através da intuição, imagino o que ouviria dela ao tomar certas atitudes, coisas assim. Dessa forma a orfandade se distancia e parece que mamãe só está em uma casa e eu em  outra (morávamos na mesma). Quando faço algo bonito, correto, inteligente, vejo-a a olhar-me  (em minha mente)  com aquele seu jeito vaidoso e feliz de quando sentia orgulho de uma de nós, as filhas. E, quando piso na bola, sou mesquinha, amarga, cruel (e todas essas titicas que nós seres humanos temos em nossas diferentes faces), vejo-a com a expressão de contrariedade e tristeza de quando me via perdendo os próprios caminhos e escolhas.
       Não, não sei o que aconteceu depois de sua morte. Não sei com ela. Sei o que aconteceu comigo. Fiquei órfã de mãe. Doí. Sofri. Hoje, doze anos depois, ela ainda me faz uma falta gigantesca (e ainda acontece de eu ter ímpetos de contar-lhe ou mostrar-lhe alguma novidade)! 
       Penso que ela teria um certo orgulho de mim. Sim, orgulho da senhora que estou me tornando. Com algumas ressalvas, claro, porque mãe é mãe e nunca está completamente satisfeita com sua obra: sempre falta um ajuste, um remate, um toque pessoal. No caso de filhos, um puxão de orelhas (devo ter merecido uns bons neste tempo de distância). Tem certos dias, em certos momentos, que tenho a sensação das suas mãos sobre os meus ombros e de seus lábios frescos beijando-me a face. Nessas horas sou capaz de sentir o seu cheiro e a maciez do seu colo. Seria fácil fechar os olhos e viver a fantasia do reencontro, mas seria muito difícil querer tornar a abri-los. Então, mantenho-os abertos e distraio o coração. E continuo órfã.


       Cléa Siqueira








      

22 comentários:

  1. Esta semana me parece que vai ser uma semana difícil. Também eu choro uma orfandade, mãe deveria ser eterna.

    Bjs

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    1. Oi, Lourdes,
      Semana difícil porque a saudade fica muito mais saliente, exibida, escancarada, mas é bom. Dor pulada é dor não vivida e dor não vivida pode explodir em hora errada!
      Sintamos a nossa saudade e eternizemos nossas mães falando delas pra todos que podemos: contemos seus casos, suas aventuras, suas estripulias, suas severidades e carinhos conosco. Estarão vivas!
      É assim que faço com a minha e foi assim que fizemos com a mãe dela!
      Bjssssssssssssssssss, quérida!

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  2. Não sei nem o que dizer, pois há tanto para ser dito, escrito que o cérebro nem consegue codificar tanta informação ao mesmo tempo....
    Posso dizer que sou grata, grata a vida que ainda me presenteia com a presença de minha mãe.Saudades???Sim, sinto muita....minha avó era "de certa forma" uma espécie de mãe para mim.Deixou algumas lacunas, mas hoje entendo que ela só me deu o que tinha ou o que sabia que tinha para dar.Afinal, ninguém dá o que não viveu, o que não tem, não é mesmo?Confesso que tento não lembrar muito dela e isso me causa uma certa estranheza, frieza...fico me perguntando o porque de querer me afastar dessas lembranças, mas pensando bem, acho que foi a melhor forma que encontrei de me defender da dor que sinto.Esse sentimento de desorientação, de estar desvinculada, sem origem, sem colo, sem chão é bem conhecido para mim.Fui criada sem a presença de um pai.Meu avô tomou parcialmente o lugar dele, não porque quisesse, mas porque de certa forma eu havia chegado para ser mais dele do que de meu próprio pai.Falando curto e grosso, meu pai nos abandonou literalmente.Minha mãe tinha que trabalhar e a minha avó restou dar aquela mãozinha para sua filha.Minha mãe trabalhava o dia inteiro e minha avó era quem ficava comigo até ela chegar.Então estar sem ela, é sim estar sem parte de mim.Não posso negar que ela fez parte da minha história.Bem, nem quero mexer muito nessa história não.É melhor parar par aqui....rsrsrsrs
    Essa semana vai ser realmente recheada de saudade, de muita emoção....Agora posso experienciar o que é ser mãe também, né?!Ainda terei as apresentações escolares...muito lenço de papel para enxugar as lágrimas....Momentos mágicos que quero guardar a ferro e fogo em meu peito.Agradeço a meus filhos, Esther e Miguel, por terem me escolhido como mãe.Essa oportunidade é maravilhosa!Ser mãe é estar em aprendizado constante.

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    1. E como se aprende, minha filha, e como se aprende! Sempre!
      Aprendemos até a perder, embora seja um aprendizado que dure a vida inteira.
      Fico sem ter o que mais lhe responder. Posso apenas reafirmar: AMO VOCÊ!
      Bjsssssssssssssss, meu amor!

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  3. Cléa querida emocionante o seu texto, seu relato me fez lembrar de quando perdi minha mãe tbém, e como vc sou mais uma orfã como tantas de nós, sinto muita falta do colo, cheiro, e carinho que me fazia tão bem quando eu mais precisava. Pena que elas se vão, pena que é assim a vida e pena que um dia seremos nós a deixar nossos filhos,mas com certeza estaremos do outro lado, olhando por eles, assim como nossas mães estão olhando por nós. Bjos querida amiga...ótima semana

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    1. Querida Josy, é pena mesmo que mãe tenha prazo de validade, e como!
      E vc lembrou bem: um dia seremos nós! Virgi! Num é que é?! Então temos que caprichar para deixarmos boas lembranças. Se eu puder escolher, quero deixar muitas lembranças engraçadas, de muita risada, de muito besteirol! Vai ser bom que riam ao lembrar de mim!
      Bjssssssssssssssssss, quérida!

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  4. Oi Cléa...
    Perder quem a gente ama dói muito,e eu acredito que perder uma mãe é uma dor sem quantia.
    Graças a Deus,minha mãezinha tá aqui comigo.
    As mães deveriam ser eternas,não é?
    Bjão pra vc!

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    1. Graças a Deus mesmo, querida Clau!
      Desfrute, mas não abuse! rssssssssss
      Aproveita, mesmo na hora em que ela está chatinha (porque tem hora que nós, as mães, somos um pé no saco, eu sei! rsssssssss), depois sentimos falta até da ranhetice, acredite!
      São eternas, qq um é eterno enquanto falamos deles!
      Bjsssssssssssss, quérida!

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  5. Dói mas e uma dor boa( se é que pode ser)é dor de saudade, saudade de amor, de cheiro de comida de mãe, saudade do dedo lambido limpando o rosto da gente, corrigindo a roupa para não fazer feio( te ajeita menina). Tenho duas mães, quando eramos pequenos a vida nos separou e aí venho a MADRASTA, mas nem a distância pode separar mãe e filhos, portanto hoje tenho duas( se quiser uma emprestada.hehehe)brincadeirinha, sei que mãe além de tudo é insubstítuivel.
    Cut beijos

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    1. É isso mesmo Marta, é uma "dor boa", que contradição!
      Mas entendo e concordo: não há lástima nem choramingos nesta perda, apenas saudade de algo que foi bom demais!
      Olha que posso aceitar a oferta, hem? Posso querer uma emprestada pq tem vezes que faz uma falta da peste! rsssssssss
      Bjssssssssssssssss, quérida!

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  6. Oi Cléa!
    Ontem preparei meu post para o dia das mães e a tarde visitando os blogs me deparei com um post também sobre perda de mãe. Já estava no clima nostalgico. Hoje encontro este seu depoimento emocionado e emocionante e revivo o que senti quando perdi minha aos 13 anos de idade. Me senti como você tão bem descreveu e usei o mesmo mecanismo de defesa, parecia surreal, eu daquele momento em diante não teria mais a minha mãe,me senti perdida, e fiquei por algum tempo. Adorei seu texto!
    A proximidade desta data é bem difícil!
    Beijinhos e tudo de bom!

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    1. Oi, Valéria querida!
      Que sorte a nossa termos "descoberto" o bendito mecanismo de defesa, né não? Ele já me "salvou" inúmeras vezes! Penso que é porque temos a imaginação fértil, será?
      Esta é uma época que nos traz essa nostalgia mesmo, talvez, também, pelo tempo que já vivemos: temos tantas lembranças! Até o jeito do dia nos faz recordar, aí... ah saudade!
      Bjssssssssssssss, quérida e obrigada!

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  7. Obrigado por me fazer sentir normal. Sinto me assim. Bjo querida

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  8. Ô, minha querida menina, não me agradeça: nada fiz. Apenas contei a minha alma! E de nada teria valido se não tivesse pessoas sensíveis, como vc, para ler!
    Por isto é tão importante contar e ouvir os casos: quase sempre nos encontramos nas palavras do outro. Porque somos iguais em nossa essência humana e precisamos do nosso próximo (nem que seja para descobrir a nossa "normalidade").
    Bjssssssssssssss, quérida, Deus a abençoa!

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  9. Como estes sentimentos tão bem descritos por vc, nos aproximam, Cléa, pois são idênticos, doloridos na mesma proporção, existentes na mesma saudade.A minha orfandade começou com minha avó,que foi tbém minha mãe, e se fez total com a falta das duas.
    Tive este mesmo distanciamento que vc no dias de dor e os mantenho assim, quando sinto a iminência da ausência.
    È preciso "distrair o coração."
    Bjos querida,
    Calu

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    1. ô, doce Calu, acho que somos "gêminas"! rssssssssss
      Sim, é preciso distrair o coração e em várias ocasiões, né não? Se não a sobrevivência fica meio áspera e ácida, penso. Porque embora recebamos tantas bençãos que nos levam ao cume da felicidade, também descemos ao submundo nas nossas perdas.
      Portanto, para encontrar o equilíbrio, temos que aprender a distrair o coração, né não?
      Bjssssssssssssss, quérida!

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  10. Eu tenho a minha mãe, Cléa, com 86 anos, debilitada, cheia de manias, ora muito meiga, ora muito chata. Mas como a quero por mais anos! Como sei que nossas vidas jamais serão as mesmas sem ela! Seja porque foi muito boa mãe (é), seja porque parece que somos pedaços dela, ficamos incompletos sem ela. Minha mãe é aquela mãe-modelo, que soube nos criar, que se doou inteira, tanto que teve 10 filhos.
    Comovente seu relato de dor da perda da mãe.
    Acredite, ela anda por onde você anda. Beijo!

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    1. Minha mãe não viveu tanto Lucia, lamentavelmente: aos sessenta e oito anos foi "presenteada" com um câncer que, surgindo em setembro, levou-a em abril do ano seguinte, ou seja em sete meses! Rápido demais! Principalmente para uma mulher super ativa, inteligente, atuante mesmo. que tinha glicose normal, kolesterol normal pressão 12x8. Se havia chegado a hora dela, tinha que ser algo assim como um câncer furioso e rápido!
      De uma certa maneira sinto-me confortada por ter sido desse jeito: seria muito mais dolorido que sua vida se estendesse em fragilidades e dependências: els se sentiria muito infeliz com isso!
      Bjssssssssssss, quérida e obrigada!

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  11. Que gostoso ter essas lembranças de sua mãe. Sinal que ela foi uma mãe muito bacana. que soube de alguma forma te orientar, ensinar e mostrar o mundo de uma correta.Bacana mesmo ela ausente fisicamente te orientando e ajudando. Espero ser uma mãe assim tbém para meus filhos.

    Bjs querida e feliz dia das mães.

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    1. As lembranças são muitas mesmo, Maristela, e lindas!
      E mãe bacana que só! Fazia umas costuras, que só vc vendo mesmo!
      Vc já é uma mãe bacana assim para os seus filhos, tenho certeza!
      Bjsssssssss querida e feliz dia das mães pra vc também!
      Deus a aençoa!

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  12. Oi Cléa!
    Vim te avisar que no meu post de amanhã, dia 11, tem um convite para você, espero que goste.rsss
    beijinhos!

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    1. Ai, ai, ai, meu Deus do céu!!!rsssssssssssssss
      Terei que esperar até amanhã??? será que resisto??? rssssss
      Bjsssssssssssss, quérida!

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Muito obrigada por participar do meu blog com o seu comentário.
Bjssssssssssssssssssssssss