terça-feira, 3 de julho de 2012

De tanto amar...

      

        As primeiras imagens que tenho dela, de quando a conheci, lá pelos idos de 1.966 ou 67, são as de uma moça muito vaidosa que mantinha os cabelos muito bem penteados e a boca, de lábios carnudos e bem desenhados, sempre lindamente colorida em vermelhos e laranjas que ficavam-lhe extremamente bem! Combinavam com a alvura de sua pele e o castanho claro de seus olhos e cabelos.  Não era alta, ao contrário, e o corpo era o de uma moça comum, nada daqueles mulherões de chamar a atenção pelas curvas e volumes. O que chamava a atenção naquela moça era o colorido de seus lábios e o riso solto que, por vezes, punha-lhe lágrimas nos olhos (que secava de um jeito próprio: dando uma fungadinha e passando o lado das mãos nos olhos para secá-los).
       Trabalhava na padaria de seu pai, assim como os outros três irmãos. É, eram quatro irmãos: dois casais. Era uma figura bonita de ver ao se entrar naquele estabelecimento: a boca colorida e sorridente alegrava e aquecia o balcão, as prateleiras e até o cesto dos pães e as vitrines de vidro. Era como quebrar a rotina: onde se esperava apenas alimento, havia feminilidade, vaidade, faceirice. Era bom vê-la ali. E ali a vi por muito tempo. E, por essas voltas que o destino dá, ela casou-se com o cunhado da amiga espanhola que morava ao lado de nossa casa. Minha irmã caçula, Zezé, e o sobrinho do noivo, Paco, foram o casal de crianças que levaram as alianças no casamento. O noivo, era o jovem espanhol chamado Vicente, o gato da época, cobiçado pelas moçoilas da redondeza, o tio caçula dos três meninos que, alguns anos depois, iriam para a África do Sul.
       Nós amávamos Vicente! Ele era um rapaz alegre e que brincava muito com a gente. Tinha um saco de filó para conosco! Foi ele quem nos ensinou, um a um, a andar de bicicleta, com paciência, alegria e entusiasmo. E Vicente casou-se com a Rosa. Sim, a moça alegre e bonita da padaria chamava-se Rosa. E também passaram a ser nossos vizinhos: moravam na casa que ficava aos fundos da casa dos meus amigos de traquinagem. O primeiro bebê que tiveram, infelizmente, morreu, creio que ao nascer ou durou algumas horas. Parto difícil. A Rosa quase feneceu e o marido... testemunhei seu choro sofrido, às escondidas, debruçado sobre o tanque de sua casa. Sabe como é criança: vai entrando na casa alheia e acaba testemunhado coisas que não era para ver, coisas que não queriam que visse, atrapalhando, interrompendo... foi isso que aconteceu e nunca esqueci da imagem daquele rapaz vazando a dor daquele jeito.
       O tempo passou. O destino deu mais uma voltinha e a minha irmã mais velha, Clarinha, casou-se com o irmão da Rosa, o José. Viramos uma família só! Quando é que eu podia imaginar uma coisa dessas? Vicente e a Rosa tiveram outro bebê que, graças a Deus, vingou, como se dizia (ainda se diz?) antigamente e deram o nome de Jorge. Mas só o chamávamos de Jó. Até hoje só o chamamos assim. 
       Bem, a Rosa separou-se de Vicente uns anos depois. Não sei precisar quantos. Como não sei explicar o que os fez perderem-se deles mesmos: gente tão boa! Vicente, o belo rapaz espanhol tão cobiçado na juventude, adquiriu um câncer e veio a falecer já há muitos anos. Creio que há mais de vinte cinco anos! A Rosa conseguiu um novo amor e passou a morar com ele e voltou a sorrir, mas já não tinha aquele viço e foi abandonando os laranjas e os vermelhos dos batons. O filho Jó casou-se e deu-lhe um neto, que passou a ser o mais profundo amor da Rosa. 
       Ah, por que estou contando esta história? Porque a Rosa morreu na sexta-feira, dia vinte e nove de junho, dia de São Pedro, o que tem a chave do céu, crêem alguns. Fui ao seu enterro no sábado. Seu rosto sereno dormitava entre flores brancas. Sua boca carnuda e desnuda dos laranjas e vermelhos, mantinha o rosado natural de uma portuguesa, com certeza. Apesar das dores fortes que viveu e sentiu ao longo de sua vida, seu riso era o mais marcante e presente sempre que nos encontrava. E fiquei pensando nessa coisa que é estar vivo agora e num repente não mais. Infarto. Aos sessenta e oito anos (com pele e aparência de bem menos, essa benção que europeus têm de parecerem ter descoberto a fonte da juventude). 
       Li, não sei exatamente onde, que o coração adoece e desiste quando se perde o sentido da vida. Eu prefiro crer que quem morre de um ataque cardíaco é porque amou tanto que não suportou! Conforta mais o meu coração. Para mim, a Rosa morreu de tanto amar...

       Cléa Siqueira




30 comentários:

  1. Sempre que venho aqui dou muitas risadas, mas hoje você me emocionou a ponto de sentir um nó na garganta.Você relata tão bem a história que parece que estamos dentro dela.

    A vida é assim, tem uma hora que os amigos vão embora e nos deixam entristecidos.
    Bjs

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    1. Oi, querida Lourdes,
      é uma história com tantas histórias!
      De encontros, de desencontros, de dores, de esperanças, de fins, de recomeços, de risos, de choros, de chegadas, de partidas. Como a vida.
      Como em todos os dias da vida. Ah, vida!
      Bjssssssssssssssssssssss, quérida!

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  2. Oi Cléa,bom dia :)
    É verdade,a Lourdes tem razão:
    Vc relata tão bem a história que a gente consegue visualizá-la,com riqueza de detalhes.
    Pôxa que pena a Rosa ter falecido com apenas 68 anos.
    Quando uma pessoa infarta,os sintomas surgem semanas antes,mas muitas vezes a pessoa nem se dá conta disso.
    Mas,que bom que ela foi alguém que esbanjou alegria.
    Vc certamente terá boas lembranças dela.
    Bjs!

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    1. Bom dia, minha querida!
      Com sessenta e oito anos não se é mais jovem nem se tem a vida toda pela frente, é fato. A morte é qualquer coisa bem próxima. Mas, na pessoa em questão, é de nos pegar algo desprevenidos: a sensação que se tinha é que a idade era bem menos! Que faltava tempo ainda, que ela tinha mais tempo.
      Cacete, quase sempre nos ocorre esse pensamento, né não? O de ter tempo para um monte de coisas!
      Talvez esta seja apenas uma sensação que sentem os da minha idade e assim deve ser: não tem graça nenhuma um jovem pensar dessa forma!
      Com certeza, a alegria da Rosa deixa muito boas lembranças.
      Bjssssssssssssss, quérida!

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  3. Oi Cléa!
    Que triste, se fechou um círculo de encontros e desencontros, a vida é assim mesmo. Você nos fez caminhar nem que seja por um breve instante com Rosa, seus encantos e desencantos. Lindo!
    Beijinhos e tudo de bom!

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    1. Oi, querida Valéria!
      Obrigada, obrigada pela compreensão e companhia.
      Bjssssssssssssssss, quérida!

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  4. Cléa,
    com magia e emoção vc nos fez acompanhar esta trajetória tocante da Rosa vermelha e risonha, seus amores, encantos, desencantos e partida, deixando-nos emocionados com esta pequena biografia tão bem narrada.
    Bjkas agradecidas,
    Calu

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    1. Oi, Calu querida,
      Obrigada minha amiga!
      Bjssssssssssssssssss, quérida!

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  5. Minha querida Cléia,

    Como gostei desta história de uma Rosa que morreu de muito amor...linda história e linda existência que se consumiu como uma chama,apesar da vida ter lhe dado um filho e um neto.Nova e bonita,poderia ter vivido mais e aproveitado o neto,com a doçura que só as vózinhas podem ter.E você,amiga,sabe contar histórias como ninguém,nos prende e dá vontade de ficar te lendo toda vida..........
    Bjsssss,
    Leninha

    Apareça prá ler as Memórias de menina:
    http://leninha-sonhoseencantos.blogspot.com

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    1. Olá, Leninha querida,
      Obrigada por estar aí, atenta, solidária, receptiva.
      Já fui até lá, comecei a ler e, aí, peguei aquela gripe e aconteceram uns episódios particulares que me deixaram meio desanimada. Foi até muito bom ler aquela sua postagem que li ontem! Mas vou voltar porque quero saber do resto das Memórias, claro!
      Bjsssssssssssss, quérida!

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  6. Ai Dodoca... até para contar uma história tão triste você coloca sentimento e poesia, nem tem como dizer que ainda que triste, linda !!!

    Bjus 1000 querida !!!

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    1. Obrigada, Pepita, obrigada...
      Bjsssssssssssssssss, quérida, Deus a abençoa!
      P.S.: Tô triste!

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  7. Minha amiga,

    Até de um momento triste você fez poesia...coisa tão linda a sua história da Rosa, que lá de onde estiver deve estar contente, de ter sido retratada assim, de forma tão amorosa...acredito que os "mortos" nos ouvem, então...

    Parabéns pelos escritos, você os faz com maestria!

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    1. Ô, minha amiga Renata,
      palavras lindas as suas, obrigada! Tb acredito que eles nos ouvem (por isto converso com meus amores que já partiram, lembra que já falei disso?) e, por conta disso, ao terminar este texto, fiz questão: li em voz alta, sentada aqui, no meu sofazinho, enviando-lhe bons e saudosos pensamentos.
      Obrigada, ainda, pelos elogios às minhas palavras de contadora de histórias e casos.
      Bjssssssssssssssssss, quérida! Deus a abençoa!

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  8. Oi Cléa, é a Vi,são estranhas as emoções que temos quando alguém deixa essa existência..
    Dependendo da nossa idade ser próxima ao do falecido , imaginamos, será que serei o próximo da lista?
    Se amamos quem foi embora, imaginamos, porque não fui junto?
    Se era um desafeto, imaginamos, será que foi para o céu?
    E muitas duvidas surgem com ela, mas que caem no silencio, pois a morte dá medo, então ninguém quer se aprofundar em tais questionamentos.
    A morte perturba nossas entranhas, porque sabemos que tudo que mais amamos vai ter um encontro com ela, é só uma questão de tempo.
    Você fala de fatos cotidianos que tocam em nosso coração.
    Beijos,Vi

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    1. Vi, meu queirdo docinho,
      são várias as emoções que nos visitam nessas horas de partida!
      E eu ainda costumo vaguear pelos supostos sentimentos dos que ficam: imagino a nova vida de cada um que convivia diariamente com a pessoa, os rumos que tomarão, como se sentirão dali pra frente, que mudanças ocorrerão em seus destinos... é, muita coisa envolvida e muitas questões.
      Obrigada pela empatia e pela presença.
      Bjsssssssssssssssss, quérida! Deus a abençoa!

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  9. oi Quérida, que Rosa esteja em bons caminhos, já que seu coração parou de tanto amar.
    Quem ama encontra conforto.
    Hoje quando vinha trabalhar, vim pensando em minha mãe.
    Eu acredito que, o primeiro pensamento é meu, os demais são intuições.
    "Mamãe morreu jovem porque era tão, mais tão linda, que Deus não achou justo enfeiá-la com as rugas que a idade nos traz."
    Descendente de português, de fato foi uma mulher lindíssima por dentro e por fora.
    Tenha um lindo final de semana.

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    1. Oi, minha querida!
      Vc está certa: sua mãe era lindíssima! Eu que a conheci virtualmente e tão pouquinho, constatei isso ao ver fotos e ler todas as suas postagens (de vez em quando ainda faço isso). Uma beleza!
      E a pele de europeus e seus descendentes são uma maravilha! Zele pela sua que, pelo que vejo nas fotos, tb é um primor!
      Que o seu fim de semana também seja belo!
      Bjssssssssssssssssssssss, quérida!

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  10. Oi Cléa!!! Tudo bem?
    Lindo o seu blog e , linda a história de vida da Rosa.
    Profundo essa parte do final: "Eu prefiro crer que quem morre de um ataque cardíaco é porque amou tanto que não suportou!"
    Parabéns pela sensibilidade!!!
    Quando puder, faça-me uma visita. Ok?
    Bjos...
    Ps: Sou irmã da Clau e foi ela quem indicou seu "cantinho".

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    1. Querida Pri,
      Muito bom recebê-la por aqui e melhor ainda que tenha gostado de vir e ficar!
      Com certeza vou visitá-la, me aguarde!
      Obrigada por ter gostado do texto!
      Bjsssssssssssssss, quérida!

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  11. Querida amiga, que linda história de amor. A Rosa já tinha por si só um nome lindo, doce e cheio de amor.Uma pena que tenha partido tão cedo, e com tanto amor pra oferecer ao neto, mas ela deve estar feliz vendo de lá o carinho desse post, infelizmente as pessoas partem, e ficam só as boas lembranças, isso que nos faz continuar. Que Deus esteja amparando sua querida amiga Rosa. Que seu caminho seja repleto de luz. Bjos amiga obrgada pelo carinho e força, excelente final de semana

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    1. Olá, minha querida amiga,
      Ainda bem que temos as boas lembranças para nos abastecer nos momentos de saudades, né não?
      Meu carinho e força são dados de coração. Use e abuse, amiga.
      Bjsssssssssssssssss, quérida!

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  12. Pode ser, Cléa, pode ser que tenha sido de tanto amor. A vida foi generosa com ela, apesar dos momentos difíceis. (a perda do bebê, a separação). De tudo fica um restinho, que vai adoecendo o coração, por mais que nele entrem alegrias. Por isso é que temos que somar os momentos bons e apagar os momentos ruins.
    Uma linda história.
    Beijo!

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    1. Oi, querida Lucia,
      É, pode ser, e eu prefiro crer que sim. Até mesmo porque não acredito que sejamos capazes de apagar os momentos ruins pra valer! Alguns até pode ser, mas não todos, sempre fica um gostinho triste e amargo, uma recordação que angustia e aperta o peito. O tempo pode tornar tudo menos pesado, mas não retira tudo não.
      E, como vc disse, esses restinhos vão se depositando e... puf!
      Assim, de uma hora para outra.
      Bjsssssssssssssssssssss, quérida!

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  13. Dodoca querida, saudade dos teus posts...
    Como vc está ??
    Sei como essa dor demora a passar, mas por favor não nos deixe sem suas deliciosas e delicadas histórias viu ??

    Bjus 1000 queridona

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  14. Minha Pepita querida,
    Estou melhorando, tenho que melhorar! Não suporto amarrar bode: é pesado demais, né não?
    Deixar vocês? Jamais!!! Vcs têm sido a minha salvação e sequer imaginam!
    Bjssssssssssssssssss, quérida!

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  15. Oi, Claudiana!
    Boa tarde! Sim, td bem e com vc?
    Que bom que gostou do meu cantinho, obrigada!
    Vou sim, vou passar lá no seu, me aguarde!
    Bjssssssssssssssss, quérida!

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  16. Realmente, seu jeito de pensar é mais reconfortante...
    Beijocas

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    1. Oi, minha querida Maristela!
      Pois é, pode não ter lógica nenhuma, mas acalenta!
      Bjssssssssssssssssssss, quérida!

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Muito obrigada por participar do meu blog com o seu comentário.
Bjssssssssssssssssssssssss