Mas quem é essa Brechique da Dodoca?

     
       A primeira vez que ouvi o nome Dodoca achei muito esquisito, sinceramente, esquisitíssimo! Havia chegado da escola na hora do almoço e encontrei umas pessoas que não conhecia no meio da nossa cozinha: eram três mulheres e dois adolescentes. No chão da varanda, aos fundos da casa, algumas bolsas de tecido barato de algodão e uma mala velha. Quem seriam? O que significava tudo aquilo e aquelas pessoas desconhecidas? Não me senti amedrontada não, senti-me confusa mesmo! As caras que via eram sorridentes e simplórias: gostosas de olhar. Uma das mulheres, muito branquinha, exibia um monte de sardas pelo rosto parecendo um arroz doce com canela e seu sorriso era... como descrever aquele sorriso? Ah, sorriso de caipira mesmo, algo entre o tímido e o divertido! A que pareceu-me a mais velha foi logo nos puxando, a mim e às minhas irmãs, e agasalhando num abraço apertado daqueles de quase quebrar as nossas costelas e a mais magrinha, que deveria ser a do meio, ria esganiçado que só! Os garotos? Ah, esses não prestei muita atenção não! Mas as mulheres! Virgem nossa! Incrivelmente adoráveis! Logo estávamos todos rindo e a nossa cozinha encheu-se de vozes finas, até estridentes, com um jeito muito peculiar de articular as palavras. Foi aí...
          - Dodoca do céu, mas que meninas bonitas, sô! 
       Meu cerebrozinho girou, rodopiou e indagou a si mesmo (tentando processar o que ouvia): "Dodoca? Que Dodoca é essa a que essas três senhoras se referem?". Percebendo a confusão estampada em nossas carinhas de meninas da cidade, uma delas perguntou:
       - Ocês num sabia que a mãe de ocês é Dodoca? Pra nós tudo de lá da parentada, ela é Dodoca e desde miúda assim! - Fez uma espécie de marco para determinar que minha mãe era Dodoca desde os três anos, por aí. E caiu na risada, assim como todos ali, olhando nossas expressões surpresas.
       Dodoca... achei tão bonitinho! Nem podia imaginar direito minha mãe criança, que dirá com o apelido de Dodoca! Mas gostei, gostei muito. A partir desse dia, virava e mexia, era assim que eu a chamava. Mas ela tinha outro apelido, que era o diminutivo do seu nome andrógino (Adenir): Nini! E era assim que eu a conhecera até que esses primos do interior invadissem a nossa cozinha naquele dia da minha infância. Também era assim, como Nini, que todos na vizinhança a conheciam. Então, Dodoca era só nosso e só em momentos especiais de carinho, brincadeira e muita intimidade!
       Minha mãe era costureira e das boas! Adorava um laçarote e um babado! E era uma mulher vaidosa, mas de uma vaidade refinada, daquelas que vem de dentro e que jamais se vulgariza. Minha mãe tinha o que costumo chamar de ESTILO: personalidade que se impunha com simplicidade, sabedoria, charme, cuidado. Ela era marcante. Não tinha como não notá-la e admirá-la. Carregava em si um pouco da beleza rebelde da jovem campesina e a beleza doce das moças sonhadoras. Tinha pose. Aliás, essa era uma de nossas brincadeiras: fazer poses e andares! É, ela tinha o andar para a feira, o andar para o subúrbio e o andar para a região sul da cidade, o chique!
       Há um tempo atrás, pensei em fazer um brechó on line. Então pensei que em vez de brechó, chamaria de brechique e, ao pensar em chique, a Dodoca veio que veio, né não? Foi assim que surgiu o nome Brechique da Dodoca! Faltava apenas um desenho que a representasse. Então, a partir de uma foto sua, fiz a ilustração que uso no blog! A princípio, pensei em assinar como Dodoca, mas não era eu, então não consegui. Mas é uma felicidade homenageá-la através do apelido que teve em menina: mantenho-a, assim, eternizada enquanto o blog existir.

       Cléa Siqueira
  
Em tempo: o brechó on line não aconteceu. Resolvi fazer o blog.