domingo, 11 de março de 2012

Janelas na minha alma


- Tá limpo, não esquenta!
- Quanto que tu vai me dá?
- Uns cem, os cara não paga muito, tu sabe...
- Pô, qual é? Vou gastá mais que isso com a Beta, cara! Quero dá pra ela aquele tênis lá do shopping! Tenho que limpá a minha barra, sabe como é, né? A mãe dela melou nosso namoro porque soube aí da paradinha...
- Tu é otário, Mané, tu é otário... fica queto!

Olhavam dos fundos, por cima de um muro baixo que cercava um condomínio suburbano – desses onde as pessoas quase se arrebentam para pagar o financiamento dos espaços reduzidos, mas que, pela aparência, lhes dão a sensação de estar acima do que se chama pobreza ou classe baixa.

            - Dá pra pulá agora, vamo nessa! – Nem esperou pra ver se o companheiro franzino, que só pensava na tal da Beta certinha, tinha pulado junto: pulou e correu rápido beirando o muro que terminava num corredor de onde se via de trás para frente, a entrada do último prédio. Parou. Só aí teve a certeza de estar acompanhado: duas mãos pesadas seguraram-lhe os ombros. Pesadas? Não combinavam com as do Flávio!
                      - Tá procurando o quê?
                   A voz em seu ouvido foi espécie de sino gigante que entalava e tocava alto dentro do peito, estremecendo tudo. Cadê Flávio?
            - Pô cara, qual é? Me solta, só tô aqui que queria vê como é, me solta, cara! Tô limpo, pode vê!
            O segurança do condomínio afrouxou as mãos para girá-lo e segurá-lo pela frente: não sabia que Marcos era uma espécie de corisco – talvez nem o próprio Marcos soubesse. O tempo... não deu para precisar o quanto de tempo foi necessário para que o rapaz escapasse como que cuspido por um lança chamas, tirasse o revólver que se aquecia encaixado no cós da calça jeans e o disparasse cegamente. Cegamente mesmo, já que acertou apenas na pilastra de concreto da garagem antes de bater com as costas no outro segurança que já gritava ao imobilizá-lo:
            - Então o sacana gosta de dar tiro, né? E de levar bem no meio dos cornos? Também gosta?
            Só aí viu o amigo vindo arrastado por um terceiro homem: braços torcidos como réstia de cebola ensacada, cabeça pendente no peito, sangue escorrendo da boca... e um pavor nos olhos que nunca tinha visto em ninguém. Eram três! Eram três homenzarrões os seguranças daquela merda! Onde é que eles estavam que nem ele nem Flávio haviam visto?
            Não deu para pensar em mais nada. Deu apenas para ver a “perna de três” subindo ao ar e explodindo sobre o corpo magrelo do amigo que convencera a participar da tal parada e, logo depois, vindo em direção à sua cara antes de ouvir:
            - Aí, os safados gostam de dar tiro, pode?  Vamos dar uns tirinhos pra eles?
                   - Devem ser os mesmos que atacaram o outro condomínio semana passada e roubaram aquelas motoquinhas...
                        -É, ROUBARAM! Mas esses aqui não fazem mais nada!
            De algumas janelas, pelas frestas de algumas cortinas de renda, alguns olhos assustados e medrosos. E os donos desses olhos estremeceram com os estampidos.

            Cléa Siqueira

         P.S.: Flávio era um menino magrinho de quinze anos quando morreu desta forma estúpida. Tinha os cabelos fininhos e levemente encaracolados quando cresciam um pouquinho mais. Suas bochechas costumavam avermelhar-se quando era chamado a atenção ou estava puto de raiva. Sua voz era mansa, seus gestos suaves. A primeira vez que o vi foi na sala de aula de uma  turma de quinta série (hoje sexto ano). Não era um aluno brilhante, mas era impossível supor que teria aquele destino cinco anos depois.

24 comentários:

  1. Cléa, só dá pra lamentar, né? Triste realidade a desses meninos criados por pais e mães irresponsáveis, que não lhes ensinam o básico. Que talvez, muito provavelmente, também não aprenderam. Mas nunca aceitarei que pobreza é motivo de ladroagem, bandidagem.
    Tantos meninos morrem assim, tão sumariamente executados (pois isso foi execução!), sem chance de se erguerem, de serem ainda ensinados a trilhar um bom caminho. A vida é cruel, mas ser bandido nunca foi nem nunca será solução pra deixar de se pobre.
    Boa semana!


    (fechele e ifisk pra vc também! rsrs)

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    1. São muitas as questões, Lucia, fica difícil diagnosticar.
      Não me consta que tivesse pais ausentes e irresponsáveis. Nesse caso, penso que foi a força da mídia (que impõe a moda da roupa e de objetos até a dos cabelos - se adultos agem como gado marcado, por que não crianças e adolescentes?) junto com a inconsequüência juvenil que não pensa nos riscos e, tb, a pressão dos companheiros (a adrenalina da aventura).
      Tb não o chamaria de bandido, ainda, estava mais para aventureiro. Errado, sem dúvida,mas penso que ainda estava no nível da aventura.
      De qq forma, cruel e, como vc escreveu, ser bandido nunca será solução.
      Bjsssssssssss, quérida!
      P.S.: Como já lhe falei, não sabia que apareciam as tais palavrinhas nos comentários e, ainda, não consegui extirpá-las ! Ficou legal, né? Extirpá-las! Gostei, vou caprichar na hora de extirpá-las! rssssssssssss

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  2. Nossa não? Para onde será que a humanidade está caminhando? 15 anos? É uma criança...
    Muito triste...
    Bjs

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    1. Uma criança mesmo, Maristela, tb acho.
      Mas a humanidade sempre foi assim, é que agora o acesso que temos às notícias, aos acontecimentos é rápido e imediato. Se fizermos uma incursão pela história mundial confirmaremos que a humanidade sempre foi dada às sandices. O que estranhamos é que já deveríamos ter aprendido que este caminho não dá certo!
      Muito triste mesmo. Cada aluno que perdi desta maneira é uma ferida que ficou no coração sem sarar.
      Bjsssssssssssssssss, quérida!

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  3. Para retirar, vá para "configurações" Em seguida "comentários" Bem abaixo tem a seguinte pergunta: "Exibir uma confirmação de palavras para seus comentários?" Basta você clicar em NÃO. SALVE as configurações e prontinho, sem verificação de letrinhas. (peguei esse texto num blog, vê se dá certo).
    Cléa, não me referi especificamente ao menino em questão, falei genericamente. Há pais descuidados que têm filhos ajuizados e há pais atentos que têm filhos problemáticos. De toda jeito, tinha idade para entender que estava agindo como bandido e até portava arma. Um dó, ainda mais quando os conhecemos, mas de todo jeito foram duros com ele, mais do que deveriam, com certeza.

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    1. Querida,
      Na forma nova do blog, não tem essa "exibir uma confirmação de palavras...", pelo menos não achei. Ensinaram-me, mas não achei e não consigo voltar na forma antiga. E agora? Vamos rir? rssssssssssss
      Sei que foi genérico, Lucia, e vc está certa: já tinha idade para saber que estava errado. Tento aliviar porque convivi com ele por cinco anos, e claro que gostava dele. Até mais do que pensava!
      Bjssssssssssss, quérida!

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  4. Cléa minha flor de maracujá, seu comentário está lá sim, normal, vc só precisa mudar meu link para www.cozinhandocomjosy.com mas de resto ta tudo normal, é uma regra pra vc poder ficar atualizada com minhas postagens. Ta minha linda! Qualquer dúvida pode me perguntar. Obrigada viu?
    Quanto ao post de hoje Cléa, eu sinto tanto por essas crianças, que tomam rumos diferentes em suas vidas, uma parte por culpa dos pais, outras por maus tratos, e outras por que é assim que escolheram. Conheço filhos dos mesmos pais que enquanto um tem uma boa índole, de carater, trabalhador, outro virou um bandido, portanto não culpo 100% os pais. Carater se tem, infelizmente por causa de modinhas acontece esse tipo de coisas, coisas que muitos filhos, seus nossos, e de muitos que conheço aceitam sabiamente o meio de vida em que vivem e não seguem modas, mesmo decepcionados, mas que entendem que muitos pais não tem condições de comprar. Sinto muito por esse menino o Flavio, poderia ter uma vida diferente, pois é um ser humano como nós, mas é muito relativo, existem caminhos e escolhas. Ele escolheu o caminho errado. Bjos minha flor. Uma ótima semana pra ti

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    1. Ora, e eu só escrevi aquela besteirinha: achei que não ia aparecer! rssssssssssssss
      Tb não sei o que dizer não. Ainda há pouco, vi a notícia sobre a tal história do Macarrão assumir a responsabilidade sobre o assassinato da Elisa Samúdio. Bruno precisava ter se enfiado nessa? Saiu da pobreza financeira, mas não da pobreza moral e espiritual.
      Daí que voltamos à velha história das escolhas.
      Bjsssssssssss, minha quérida, boa semana procê tb!

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  5. Oi Cléa :)
    Triste fim pra esse adolescente...
    Infelizmente esse tipo de acontecimento,parece que virou um fato corriqueiro.
    Acontece em toda parte,em todo lugar...
    Más amizades,o famoso 'Maria,vai com as outras',enfim tudo contribui pra essas tragédias.
    Porém a vida é feita de escolhas,e elas começam bem cedo...
    Pena que o arrependimento,só anda atrás...nem sempre há tempo pra recomeçar ...
    Bjs!!

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    1. Oi, querida!
      Não, de fato, nem sempre há tempo de recomeçar, de mudar a rota e nós, que presenciamos esses fatos cada vez mais freqüentes, ficamos meio perdidos em nossas considerações, né não? Eu, pelo menos, sinto-me assim, às vezes, sem saber o que pensar...
      Bjsssssssssss, quérida!

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  6. Oi Cléa!
    Obrigada pela visita e suas palavras amigas e incentivadoras.
    Triste realidade esta em que vivemos onde crianças desconhecem seu mundo ainda de descobertas e embarcam em uma vivência de perigos, entre drogas, roubos e violências. Ótima crônica!
    beijinhos e uma ótima semana!

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    1. Não tem que agradecer, Valéria, desde que conheci seu blog e li os seus escritos aprendi a admirá-la e a gostar muito de vc. Neste tempo em que steve um pouquinho ausente do blog, sempre dava uma passadinha por lá na esperança de reencontrá-la.
      Portanto o que escrevi para vc é sincero, do fundo do coração.
      Eu é que agradeço sua presença e os seus comentários gentis.
      Bjsssssssssssssssss, quérida!

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  7. A vida não é fácil, já fui assaltada por esses adolescentes, e é horrível, a gente fica traumatizada por muito tempo, até hoje eu tenho olhos por todo corpo, pois saio olhando para todos os lados o tempo todo.
    E não fui assaltada por andar me exibindo, estava indo trabalhar muito cedo, com um tênis velho, tinha um relógio baratinho, mas para "noia" com um real ele compra uma cheirada ou uma pedra.
    É isso que a nossa vida passa a valer, um real!
    Realmente tenho muita dó desses jovens que se perdem na marginalidade e poderia ser diferente se todo dinheiro que é destinado a programas sociais ,a educação não fossem desviados e aplicado corretamente.
    Muitos beijos,Vi

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    1. "Mundo mundo, vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não uma solução..." Carlos Drumond de Andrade
      Temos tantas questões, procuramos e damos tantas justificativas! Já nem sei mais. Tb já fui assaltada, Vi, algumas vezes. Já estive no meio de tiroteio. Já até tirei arma da mão de bandido (numa época que bandido respeitava o local em que morava, acredite, houve isso!).
      Poderia ser... tanta coisa!
      Bjssssssssssss, quérida, Deus a abençoa!

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  8. Minha flor de maracujá te mandei um pedaço da torta como me pediu, ja chegou ai?? heheheh
    Bjocas querida miga

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    1. Ah, tá me provocando, né? Ruinzinha! rsssssssssssss Tb, ó, assim não repito e assim não engordo! (Ui,já tô uma baleinha!)
      Bjsssssssssssss, quérida, Deus a abençoa!

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  9. È uma dor surda, mas não pode ser muda ante tamanha selvageria.Armam-se brucutus analfabetos que vertem sangue pelos olhos achando que são poderosos e tem o controle das vidas dos outros nas mãos.
    Uma tragédia, mais vista do que deveria.Jovens vidas ceifadas por violência de todos os lados.Triste realidade,esta nossa.
    Bjos, querida,
    Calu

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    1. É, vc entendeu o meu foco, viu pela minha lente.
      Obrigada, bjsssssssssssssssssssssssssssssss, quérida!

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  10. Oi Cléa!
    Gosto muito de suas visitas e comentários cheios de sensibilidade e inteligentes. Esta impressão que você bem descreveu do nosso encantamento foi mesmo o que quis dizer. Era pura magia.
    Beijinhos!

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    1. Se era, Valéria, se era! Às vezes olho para o meu marido e busco aquele rapaz de cabelos encaracolados (que não se sabia amado por mim)que eu ficava esperando encontrar na rua, na esquina, na casa de um amigo comum. Então me vem aquele calor no meio do peito e meus olhos quase se enchem de lágrimas: sou tomada pela mesma emoção daquela época! Daí, agradeço a Deus o privilégio de estar com ele, e sou pega, em flagrante, sorrindo.
      Muito bom mesmo, né?
      Bjssssssssssssssss, quérida!

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  11. Cléa, é lamentável escreve, ler e constatar essa realidade, concordo plenamente quando você diz ser a mídia uma das grandes causadoras dessas tragédias, ditando modas que não condizem com a realidade salarial deste país, tênis que valem mais que um sal. minímo, beleza fisica que não se obtem com alimentação básica e depois das regras ditadas formam estereótipos causando preconceitos e discriminaçao mascarado pelo nome "Marketing". Sera o modismo o campeão em bulim? Desvastando jovens e famílias envolvidas. Como julgar,como cobrar educação e respeito oferecido pelos pais quando não se estrutura para poder criar seus filhos longe de toda essa poluiçao moral. Pobreza pode não ser desculpa, mas justificativa sim.
    Cut beijos

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    1. Querida Marta, você foi perfeita em seu comentário, perfeita! E brilhante!
      Falo tanto disto para as pessoas e, sinceramente, sinto-me, na maioria das vezes, como se falasse grego para elas! É como se um véu de fascínio as envolvesse e elas vão fazendo o jogo de quem lucra,
      nem se dão conta que se perderam de si, que já não são as criaturas que são: tornaram-se os expositores e consumidores de quem vai ditando os padrões. E aí? Ah, eu vou continuar falando!
      Bjssssssssss, quérida, Deus a abençoa!

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    2. Que triste, que grande pena, perda. Só penso, sempre, nos pais que ficam a chorar as perdas. A gente erra tanto como pais...tá tudo invertido,os valores estao invertidos, dá-se a valor àquilo que nada vale enquanto isso, a vida é roubada, assim, tao gratuitamente, matar virou algo tao banal. Vida nao vale mais nada. Triste demais, meu Deus.
      Sinto pelo menino. Sinto tanto...

      Mt obrigada pelo comentario lindo que vc postou sobre filhos. Aquilo foi bom de ler. Valeu.

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    3. Querida Nina,
      É o poder nas mãos de quem não sabe lidar com ele, né não? Tantas outras "armas" poderiam ter sido utilizadas na situação! Mas escolheram a mais brutal. O ser humano tem dessas coisas, tem seu lado fera e o exibe em diferentes situações. Alguns, até acreditam que são pagos para isto.Ironia!
      O que falei sobre filhos é no que acredito e vivo. E falo para a minha mais velha com relação aos netos: "Lembra de como vc se sentia nessa ocasião e entenda, seja complacente!", mas não frouxa, certo?
      Bjsssssssssssssssss, quérida!
      P.S.: Adorei "rever" Michael Jackson!

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Muito obrigada por participar do meu blog com o seu comentário.
Bjssssssssssssssssssssssss