sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Tolice


     Por que evitara olhar? Ou por que fizera de conta que olhava? Se, mais tarde, tivesse que descrever os detalhes daquela situação... simplesmente não conseguiria!
       - Está vendo? O corte foi minúsculo!
       Conseguia, apenas, supor a situação a que estivera presente somente de corpo: o resto flutuara e não se dera conta! Estavam sentados, lado a lado, no pequeno sofá da sala de onde se via a mãe dele na cozinha. Enquanto ele arriava o lado esquerdo da bermuda, possivelmente levando junto parte da cueca, para exibir o corte cirúrgico na virilha (troféu da hérnia ignal), olhava o seu rosto fixamente à caça de suas reações. Ela apenas olhava, olhava sim, mas apenas no gesto  de dirigir os olhos para uma cena. Nada via, apenas percebia o que se passava.
       Não vira o corte, não vira a cor da cueca, não vira nada. Depois se arrependera por não ter se dedicado à inspeção: poderia lembrar-se, por exemplo, no futuro, do tom exato do moreno que coloria a pele do ventre masculino... ou da sombra dos pelos que ali haviam descansado. Não conseguira, esforçara-se apenas para não parecer assustada ou chocada com o gesto tão simples do amigo. E a ocasião passara.
       Lembrar-se disso deixava-a mais frustrada ainda consigo mesma, com sua eterna falta de coragem: mais uma vez não ousara, não fora adiante, não conseguira um movimento ((que até poderia definir aquela relação)! Quanto tempo? Há quanto tempo a falsa intimidade? Seis anos? Por aí, qualquer coisa assim. Desta vez também soara estranho: para que mostrar-lhe a cicatriz de um local tão resguardado? Provocação? Para excitá-la? Podia ser. Por que ele o fizera? E logo com a mãe dele ali, tão perto,  percebendo tudo! Claro que ela notara, estava praticamente ao lado, tão visível! Parecia até... é, bem que poderia, por que não? E se ele quisesse mesmo isso? Que sua mãe pensasse que eram tão íntimos que o gesto de se expor fosse habitual? Para a mãe, nada mais lógico que homem e mulher que enrodilhavam-se na mesma cama dividissem coisas assim! Estava aí a lógica, achara-a!  Não estava fácil aceitá-la, deixá-la penetrar em cada célula de sua razão, clarear-lhe assim o entendimento. Era até tortura! Seria tão melhor, tão mais ameno deixar-se ir nas fantasias que  guardava e que eram tão antagônicas à resposta que acabara de encontrar! Teria que crer no que acabara de concluir: o único objetivo daquele homem era fazer com que os outros, em especial sua família, pensassem que tinham um caso! Era a prova de sua macheza sempre olhada com descrença.
       Aceitar essa lógica fazia com que todos os fatos vividos até aquele momento se alinhavassem harmonicamente: o cavalheirismo, os galanteios, os gestos superficiais de intimidade... ah! Só ela sabia que de íntimos nada tinham. Talvez até nem fossem amigos! Amigo faz isso com amiga? Nunca o intuíra verdadeiro. Sempre, sempre faltava aquele ar de naturalidade que envolve pessoas que não se escondem. A sensação que tinha em cada encontro era a de que ele, ao final, se divertia às suas custas, uma espécie de orgasmo sádico da mente. No começo, perguntas tolas que provocavam-lhe todo um discurso alimentado pela vaidade de dominar bem as palavras. Com o tempo passando, começou a desconfiar que as perguntas tolas serviam apenas para fazê-la mais tola do que as interrogações. Estaria ele querendo saber, de verdade, como se sentia, o que pensava, como era? Ele a ouvia? Ela importava?
       Mostrar a cicatriz na virilha com ares de sedução! Não era um pouco demais? Mais uma provocação tola para fazê-la boboca?  Difícil admitir que ficara embasbacada, olhos bem arregalados, boca seca, coração disparado, mãos sem pouso. Mas, ficara. Tinha respondido certinho ao que ele queria. De novo. Que merda!

       Cléa Siqueira                                        

23 comentários:

  1. hehe Amei ler e esse ultimo paragrafo está um arraso!
    Vir aqui é sempre uma surpresa agradável encontrar tão belos e inteligentes posts!
    Grata
    Beijo e feliz amanhecer!

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    1. Oi, querida Eliana!
      Sumida, hem?
      Que bom que vc gostou! Quem já viveu um bocadão tem sempre coisas meio surreais pra contar, né não?
      Bjssssssssssssss, quérida e excelente semana!

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  2. Olá Cléa!!!
    Então a macheza dele era olhada com descrença?
    É,não faz muito sentido mostrar uma cicatriz tão minúscula.
    Que atitude fora de contexto né?!?
    De repente estava faltando assunto pra ele.
    De qualquer maneira,ela fez bem em não olhar direito,não dar muita atenção...
    Ela nem deveria sentir-se tão frustada.
    Bjs!

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    1. Minha querida Clauzinha,
      Era mesmo! A macheza do cara não era vista com firmeza, não! A despeito das atitudes sedutoras e da aparência bem máscula, pairava uma incerteza bem instigante quanto a isso.
      Lamentavelmente, não se soube se era procedente ou não!
      Bjssssssssssssss, quérida!

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  3. Não há idade marcada para estas situações.Não sei se é por causa da crença na sinceridade das pessoas que acabamos sendo cobaias de cenas assim.A inocência foi tal, que ao não dar importância ao exibicionismo, ele esvaiu-se.Mas, que a gente fica furiosa em participar involuntariamente dum teatrinho medíocre, ah, isso fica.
    Bjos minha querida,
    Calu

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    1. Pois é, Calu: fiz parte de um teatrinho idiota! Ainda bem que já tem tempo e já não me deixa com aquela raivazinha de quem se sentiu babaca!
      Com esse cara vivi situações hilária e inacreditáveis! rsssssssssssssss
      Desculpe a demora em respoder, mas tive que subir a serra em caráter de urgência!
      Bjssssssssssssssssssssssssssssssss, quérida!

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  4. Minha querida,

    Depois de uma semana de viagem para as Minas Gerais,estou de volta e encontro este teu instigante conto/vida real?Um belo estudo psicológico de um instante.

    Bjssssss,
    Leninha

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    1. Oi, querida Leninha,
      Desculpe-me, mas também estive ausente e só hoje estou respondendo!
      Conto/vida real, acredite! rsssssssssssssssssss O moçoilo em questão seria um prato fundo transbordante para Freud! rsssssssssssssssssssss
      Como disse, acima à Calu, rendeu-me episódios hilários e inacreditáveis! rssssssssssssssss
      Bjssssssssssssssss, quérida!

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  5. rsrsr, e você ao final das contas nem descobriu se a macheza procedia ou não ?? rsrrs

    Esses seus causos, são ótimos !!!

    Linda semana prá ti querida !!

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    1. Minha Pepita querida, vamos rir que só rindo mesmo! rsssssssssssss NUNCA se descobriu se a macheza procedia ou não! rsssssss E isso pelos onze anos em que convivi, como amiga, claro, com o danado! Foi o melhor amigo e comparsa para algumas situações, mas saber se era macho, muito macho, que nada! Ao fim, isso nem mais importava! rssssssssssssss O bom era estar junto se divertindo!
      Bjssssssssssssss, quérida!

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  6. Oi Cléa!
    Você transforma uma simples cena em um texto rico em considerações. É, na vida vez por outra nos deparammos com situações que nos deixam sem ação momentanea e eternamente insatisfeitas com nossa ingenuidade.rssss
    beijinhos e uma linda semana!

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    1. OI, Valéria, isto é a mais pura verdade: na vida encontramos dessas situações estapafúrdias que nos paralisam (com z ou s?) e que nos deixam com raiva de nós pela idiotice que nos incorpora na ocasião!
      Foi exatamente assim que me senti! Naquela época (tem um bom tempo), de fato, fui muito ingênua! Mas não me arrependo: vivi!
      Bjsssssssssssssssss, quérida!

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  7. Oi Cléa, é a Vi,que difícil essa questão, o ser humano tem razões que ele mesmo desconhece.
    Mas as vezes temos que agir loucamente e surpreender quem pensa estar com a faca e o queijo nas mãos, cabia bem falar ao exibicionista: pensei que você tinha coisas mais interessantes para me mostrar, isso já cansei de ver, e sair rapidinho de cena, deixando o bobo no sofá.
    Muitos beijos,Vi

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    1. Vi, meu docinho!
      Olha, a sua sugestão foi magnífica! Eu devia conhecê-la desde aquela época para ter essa acessoria genial! rssssssssss Ele ia ficar muito no vácuo, menina! Ia ser demais!! Adorei a idéia, embora tenha passado tanto tempo, consigo imaginar a cara de tacho dele se eu tivesse tido essa reação! Maravilha!
      Bjssssssssssssssssssssssss, quérida!

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  8. Ora ora, ou ele estava apaixonado por vc, e queria ver sua reação, e com certeza, deve ter adorado sua reação hehehe, ou era gay kkkkkkkkk e queria provar a mãe que já tinha algo mais intimo com vc, sabe-se lá o que passa na cabeça de um homem desesperado por amor...hehe
    Saudades de vc amiga, nunca mais fui la na minha cx postal preciso verificar, mas são tantas e tantas coisas que tem acontecido, logo lhe conto.Bjocas

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    1. Minha querida amiga, que saudade!
      Vai sim na caixa postal que tem coisa minha lá!
      Sabe que, na verdade, podem ser as duas respostas? Vai saber, né não?
      Essa história dá é pano pra manga!
      Bjssssssssssssssssssss, quérida!

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  9. OI CLÉA!
    AINDA NÃO SEI SE TUAS HISTÓRIAS SÃO VERDADEIRAS OU FRUTO DA TUA IMAGINAÇÃO
    MAS, SEI QUE ME DIVIRTO MUITO,SEMPRE QUE VENHO AQUI.
    SER USADA(O), NÃO É ALGO QUE SE GOSTE DE SABER QUE ESTEJA ACONTECENDO CONOSCO, ENTÃO APOIO A REVOLTA.
    ABRÇS

    zilanicelia.blogspot.com.br/
    Click AQUI

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    1. Oi, minha querida Zi,
      Na verdade, as minhas histórias são verdadeiras. Vistas pelos meus olhos e contadas pelas minhas palavras, às vezes ouvidas pelos meus ouvidos e contadas por outros lábios.
      A vida está cheia de histórias, basta ter olhos de ver e falta de pudores para contá-las, né não?
      O importante é que elas divertem e sensibilizam. Então, está valendo a pena!
      Bjssssssssssssssssss, quérida e obrigada por gostar de vir!

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  10. Cléa, estou me deliciando com seus textos, lindos de morrer!!!
    Se perdeu a saia porque ganhou uns quilinhos, faça outra!!!! Fico observando como essas saias caem bem em todo tipo de corpo, pois se a barriguinha ficou saliente, coloque uma blusa mais comprida, coloque um salto e fique elegantérrima!!!!
    Outro dia me perguntou se o jogo americano duplo foi invenção minha. Não, foi uma aluna que chegou aqui dizendo que viu um assim, assado na Étna, lindo, super fácil de fazer. Fiquei com aquilo na cabeça e fiz alguns. Na verdade, eu não cheguei a ver esses da loja, mas imagino que sejam assim. Bem, se não for, eu adoro esse tipo de jogo americano, pois faz o papel de uma toalha, mais fácil de lavar quando alguém derruba uma comida, pois não tem que lavar toda a toalha. Eu uso quase todos os dias.
    Beijos

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    1. Helena, Helena, obrigada pelos elogios aos textos!
      Quanto a eu fazer a saia, juro que até me animei quando vi seu post, mas é que uso muito pouco saias (e estou no Rio, com calor, imaginea! rssssss). Daí que estou meio na dúvida, mas posso fazer para a filha mais velha que adora!
      Agora que vou fazer os jogos americanos, nem duvide! Quer dizer, vou tentar fazê-los, né? Adorei as belezuras!
      Bjssssssssssss, quérida!

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  11. Oi, lendo seu texto me fez pensar que estava lendo uma página daqueles romances que vendiam em bancas de jornal (nem sei se hoje ainda vendem), sabe aqueles que sempre tinham como título um nome de mulher? Tipo - Bianca, Sabrina etc, etc... rsrs gostei!

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    1. Oi, querida Lourdes,
      Também li muita Bianca, Sabrina, etc, etc, fez parte do meu "romanceiro" popular. O que me leva a acreditar que nem tudo era ficção naquelas histórias, porque a minha não é! rssssssssssssssss
      Ah, tb não sei se ainda vendem!
      Bjssssssssssssssss, quérida!

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  12. Ola amiga
    Agradeço seus elogios e com certeza quando se está amando alguém viramos até " poetas " e é tão simples de se notar o amor, que mesmo sem nos revelar, ele se mostra em tudo que fazemos.
    Uma ótima sexta-feira

    Abraços,
    RioSul

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Muito obrigada por participar do meu blog com o seu comentário.
Bjssssssssssssssssssssssss